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Sebastião e Juliano Salgado contam que “O Sal da Terra” os aproximou

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“O Sal da Terra”, de Juliano Ribeiro Salgado e Wim Wenders, é um documentário sobre o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, que concorreu ao Oscar 2015. É também o retrato de um pai genial pelo olhar de um filho. E é ainda o retrato o olhar de um grande diretor, o alemão Wenders, sobre a relação entre pai e filho. Isso porque é de fato impossível compreender o fotógrafo sem entender sua relação com a família e suas raízes.

A relação de Sebastião com o filho e diretor é mais retratada pelo olhar que Juliano tem sobre o trabalho do pai do que pela interação direta dos dois diante das câmeras, mas a dinâmica entre eles é crucial para o resultado do filme. “Um plano fala muito mais sobre a pessoa que está filmando do que a pessoa que está sendo filmada. Este documentário foi um encontro definitivo com meu pai, serviu muito para nos aproximar. A gente tinha uma relação distante até então, tinha pontos de conflito, falávamos de amenidades, futebol e sol”, conta Juliano, em entrevista na tarde de quarta (18), pouco antes da pré-estreia do longa em São Paulo, como parte da abertura da Mostra Ecofalante de Cinema, que começa nesta quinta e segue até dia 29 na capital paulista, onde o filme entra em cartaz no dia 26.

Na visão de Sebastião, o filme é resultado de parcerias anteriores. “O Juliano, aos 15 anos, fez uma viagem comigo para registrar a construção do Canal do Rajastão. Ele ganhou uma (câmera) Laica, foi, fotografou e fez uma apresentação para a escola. Já estava aprendendo a contar histórias”, relembra o pai. “E esteve comigo em Ruanda em 1991, retratando os trabalhadores das plantações de chá, quando uma grande repressão começou, que culminou com o genocídio. A gente já tinha trabalhado juntos, mas esta foi a primeira vez que ele me retratou, o que é muito diferente”, acredita.

Para Juliano, foi justamente na primeira vez que o pai se viu retratado por ele que surgiu a real possibilidade de se fazer um filme. “Em 2002, o Tião (como Juliano chama o pai) insistiu muito para eu acompanha-lo no Zo’e (uma das tribos mais isoladas da Amazônia, no Pará, retratada para o livro Genesis). Eu tinha medo, pois íamos estar entre quatro paredes com um povo que foi encontrado somente há 15 anos. Mas eles têm tanta doçura. A gente se encontrou lá. Quando voltamos para Paris, onde morávamos, mostrei o material para ele”, relembra o diretor.

Juliano continua: “Quando Tião viu minha forma de olhar para ele, se emocionou. Foi um momento muito importante na nossa relação, que melhorou muita coisa entre a gente. E abriu a porta para a gente fazer este filme. Eu ia começar a acompanhá-lo e fazer filmagens”, relembra.

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Este documentário foi um encontro definitivo com meu pai, serviu muito para nos aproximar. A gente tinha uma relação distante até então, tinha pontos de conflito, falávamos de amenidades, futebol e sol. Juliano Salgado, diretor de “O Sal da Terra”, sobre a relação com o pai, o fotógrafo Sebastião Salgado

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Sebastião e Juliano Salgado contam que "O Sal da Terra" os aproximou

De pai para filho

Para Sebastião, acostumar-se com o fato de que, “se a fotografia é muito instintiva, o cinema é muito mais racional”, foi a parte mais difícil do processo. “Ele às vezes reclamava que eu estava no campo de alguma foto dele, que alguém que ele queria fotografar estava olhando para mim e não para ele, estas coisas”, conta Juliano.

Ainda assim, para a Sebastião, ser filmado por Wim Wenders foi mais complicado do que ser retratado pelo filho. “Ser filmado pelo Juliano era fácil. Ele fazia o som, ele mesmo filmava. Estava sempre sozinho. Quando Wim Wenders chegou e trouxe outros câmeras, luz, equipe de som, aí sim complicou. Fiquei pregado ao solo. Aprendi uma lição grande com eles”, diz.

Quando Juliano é questionado se há algo que mudaria no filme, mais uma vez, é a família que entra em foco: “Hoje, eu teria mostrado o Rodrigo, meu irmão (portador de Síndrome de Down). Ele está bem, é pintor, tem uma vida plena. Isso acabou não entrando no corte do filme, mas incluímos nos extras do DVD.

Lélia

Além de a relação entre pai e filho, “O Sal da Terra” também é um filme sobre uma família e sobre a parceria longa e feliz entre um marido que deixa sua carreira sólida de economista para se dedicar a sua arte, e sua mulher, Lélia Wanick Salgado, que soube administrar a casa e os projetos que criaram juntos.

“Tudo que eu fiz, fiz com um grande sócio da minha vida, a Lélia”, diz o fotógrafo. “As pessoas dizem que atrás de um grande homem, tem uma grande mulher. No meu caso, não. Foi lado a lado. O que a Lélia fez foi tão importante quanto o que fiz”, responde Salgado, quando questionado sobre o fato de Wenders, em sua narração, sempre enfatizar cada novo trabalho do fotógrafo como “o novo projeto de Sebastião e Lélia”, mesmo que ela apareça no longa somente em fotos.

“É isso mesmo. Todos os livros que lançamos, o conceito destes livros, foi tudo o conceito da Lélia. Ela tem um bom gosto fabuloso, sequencia como você não pode imaginar. Imagine que saímos de São Paulo para Paris na quinta e, na segunda, ela já vai estar em Trento, na Itália, cuidando da impressão do nosso próximo livro, sobre o café, que ela desenhou”, revela Salgado, lamentando que Lélia não estava a seu lado durante a tarde de entrevistas, pois perdeu uma irmã.

Sebastião conheceu a mulher antes de completar 20 anos. “Éramos muito novos. Em um mês, tínhamos uma conta conjunta. Ela era linda. É até hoje. Tenho uma grande companheira de vida”. Os dois estudaram economia e, segundo o fotógrafo, tiveram uma formação parecida. “Muita coisa fizemos juntos. Quando comecei a fazer fotografia, éramos companheiro de conceito. Conceito de vida, de ética, ideológico…”

Novo livro e nova mostra

De volta ao novo projeto, o fotógrafo conta que trabalha no registro do café há mais de 12 anos, desde antes da concepção do projeto Gênesis. As fotos foram feitas no Brasil, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Tanzânia, China, Etiópia, Índia e Indonésia, e ganham, além de livro, uma exposição em Milão, em 30 de abril, e na Bienal de Veneza, em maio. “Enquanto isso, Lélia viaja para Portugal, Berlim, Xangai, onde ela está montando uma outra exposição, Nova York, onde expomos em uma galeria, Moscou… Ela não para!”, revela o fotografo, que trabalhou na Organização Internacional do Café (OIC), nos anos 1960.

“Para completar”, continua Sebastião, “Lélia ainda é presidente do Instituto Terra, que criamos, e com o qual lutamos para a preservação ambiental. E ainda temos um filho com síndrome de Down, que está com a gente hoje na sessão e que sempre esteve. Nunca o colocamos em uma instituição. Sem a Lélia, nada teria sido possível.”

Estética da miséria

Questionamentos sobre o cunho social das fotos de Sebastião Salgado e acusação de estetização da miséria não são novidade quando se fala de sua obra. Questionado sobre isso, Juliano observa que o fotógrafo sempre acompanhou e foi comprometido com os movimentos sociais. “Ele trabalhou muito com os sem-terra na época da Teologia da Libertação. Inclusive, quando fizeram o livro ‘Terra’, o dinheiro todo dos direitos foi para o MST. Eles abriram a universidade deles com esta verba”, comenta o diretor.

Juliano ainda pondera: “A questão é se pode fotografar estas coisas (gente que está vivendo uma situação ruim, sofrida). Mas vai fazer o que? Uma foto feia?”

Ele ressalta que Sebastião sempre passa muito tempo nas comunidades que fotografa, torna-se amigo das pessoas. “Não chega de manhã e vai embora no fim do dia. A grande qualidade dele não é o preto e branco, mas a relação que ele vai estabelecer. Ele posiciona a câmera para que a gente sinta a emoção que esta relação está gerando. As experiências são muito humanas. Então, não é uma questão de fotografar a miséria. Há quem fique incomodado com isso. A questão da estética é que é uma maneira de falar deste incômodo.”

Para Juliano, é importante apontar que Salgado revela as pessoas em momentos de crise, de sobrevivência. “Em Ruanda, na Etiópia, por exemplo, isso ocorreu. Ele tem um jeito de retratar que quebra a distância. O que transcende é a humanidade, a intimidade. Você não está vendo alguém que está muito longe de você, mas sim próximo. Ele traz a realidade delas e a existência delas. Tem várias funções. Realmente não acho que esta crítica se aplique ao Tião”, afirma.

Já Salgado, quando fala sobre a importância de suas raízes, de voltar a Aimorés, em Minas, para reencontrar sua energia após a longa e dura jornada em Ruanda, observa que as referências de sua terra natal também foram cruciais para formar seu olhar e sua estética. “As origens são muito importantes. São tudo na vida. Foi em Minas que eu aprendi a ver. A foto do cartaz do filme é o lugar pra onde meu pai me levava para ver onde começava a chuva. Céus maravilhosos, aquelas luzes atravessando as nuvens carregadíssimas. A gente caminhava quatro horas para chegar naquele ponto”, conta. “As luzes que estão nas minhas fotos nasceram ali. Essas origens andam comigo no mundo inteiro. A forma bem barroca da minha fotografia vem do Barroco de Minas, dos interiores que vi e vivi, das fazendas de Minas”, conclui.

Serviço

4ª Mostra Ecofalante

Quando: 19 a 29 de março
Onde: Centro Cultural São Paulo, Cine Olido, Cine Caixa Belas Artes, Cinemateca Brasileira, Reserva Cultural
Quanto: Grátis
Programação: www.ecofalante.org.br/mostra/programacao/index

“O Sal da Terra”: sábado (21), às 23h45, no Reserva Cultural

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