Draper Daniels (esq.), o publicitário que inspirou Don Draper (Jon Hamm, centro), e Sebastian Mueller-Soppart (dir.), publicitário que ocupa cargo equivalente aos dois primeiros
No Brasil por um período de três meses, o publicitário alemão radicado nos Estados Unidos Sebastian Mueller-Soppart, 47, pode ser considerado, sem exagero, a versão atual do personagem Don Draper, interpretado pelo ator Jon Hamm na série “Mad Men”.
Soppart é vice-presidente sênior de criação da América Latina de uma das maiores agências de publicidade dos Estados Unidos, a Leo Burnett, que tem filial no Brasil e foi a mais premiada do país no ano passado. Seu cargo é semelhante ao do homem que inspirou o personagem principal da série, o lendário publictário Draper Daniels, criador de campanhas como a do caubói dos cigarros Marlboro.
E as semelhanças não param por aí. O alemão também comanda as campanhas publicitárias de uma grande empresa de tabaco, assim como Draper, no começo da série, cuja última temporada está no ar pelo canal pago HBO. Além disso, terminou um casamento de 20 anos. “A crise de meia idade pela qual ele passou eu também passei.”
Ele recebeu a reportagem do Popzone na sede da agência na zona sul de São Paulo, onde fez questão de usar um traje à altura do sedutor personagem. Só não conseguiu um item importantíssimo e presente em quase todas as cenas de “Mad Men”: o uísque. Mas como bom diretor de criação, resolveu o problema no improviso: “Coloquei cerveja em um copo de uísque e deixei ficar choca. Vai dar um efeito de uísque nas fotos. Perguntei por toda a agência se tinha uísque e eles me disseram que só no posto de gasolina.” Leia a entrevista:
Popzone – Quando nos conhecemos você disse que trabalhava em uma das agências que inspiraram “Mad Men”, certo?
Sebastian Mueller-Soppart – Havia um diretor de criação na Leo Burnett que se chamava Draper Daniels, no qual o personagem Don Draper foi inspirado. Ele era uma lenda da publicidade americana. Leo Burnett é uma das agências clássicas nos Estados Unidos, mesmo antes de eles terem a conta da Phillip Morris. Mas eu acredito que a inspiração veio de vários lugares.
E a Leo Burnett é citada em alguns episódios, certo?
Sim, dois ou três… Para Draper e sua equipe eles são competidores. E eles falam: “Eles são de Chicago. Que lugar é esse?”, com a típica arrogância de quem era publicitário na Madison Avenue, em Nova York.
E por que você disse que era um Donald Draper dos dias atuais?
Veja meu estilo… (risos) Na verdade eu não vejo as coisas desse jeito. Embora, obviamente quando assisto à série e vejo Don eu me identifico com ele.
Sim, você é diretor de criação como ele… O que você faz exatamente?
Faço planilhas de Powerpoint, atendo a telefonemas, mais ou menos como Don, sou pago para falar. Eu não faço mais tanta criação, mas quando vejo um problema crítico com o cliente ou algo que me inspire eu posso escolher participar deste processo como criador.
Eu não tenho só uma equipe. Eu tenho múltiplas equipes. As principais são México, Colômbia, Brasil e Argentina. Meu trabalho, como Don, é revisar o trabalho de redatores e diretores de arte. Dou minha opinião. Tento sempre ser objetivo. Nem sempre é fácil. Quando eu trabalho com uma marca feminina, por exemplo, como absorventes Always. O que eu sei sobre isso? Então é muito importante trabalhar com planejadores estratégicos que realmente conheçam o cliente e o produto. Minha função é vice-presidente sênior para a América Latina da conta da Phillip Morris.
Cigarros? Como ele…
Bem, ele cuida da Lucky Strike…
Reinaldo Canato/Popzone Eu gostaria de ter mais escândalos para contar, mas na verdade hoje em dia é tudo muito tranquilo. Especialmente nos EUA, onde se tem tolerância zero sobre assédio, especialmente assédio sexual. As pessoas são muito cuidadosas. Mesmo assim, já ouvi casos, não de mulheres, de homens sendo assediados sexualmente por seu chefe. Sebastian Muller-Stoppard, sobre como as relações de trabalho mudaram no mundo da publicidade em relação à época retratada pela série “Mad Men”
Há todo um glamour que a série mostra em torno dessa profissão. O que é fato e o que é mito?
Internamente, nas agências, o trabalho mais crítico é dos criadores. Porque, no final, a agência é paga pelas ideias. Cumprimentar clientes, fazer trabalho administrativo não é o trabalho pelo qual somos exatamente pagos. Em “Mad Men” eles são mostrados como estrelas. E lá, basicamente, o que eles fazem são storyboards e slogans. Ainda estava no começo da publicidade televisiva, por exemplo. Hoje nosso trabalho é mais complexo. Comunicação um a um, engajamento de consumo… Em parte, perdeu-se o glamour dos tempos antigos… Mas sim, há um certo estrelato entre os criadores… Em geral o trabalho é criar coisas, discuti-las, fazer outra vez, mostrar para o cliente, definir a apresentação e convencer o cliente de que isso é o melhor a fazer. E é super difícil, porque este é um trabalho bem subjetivo. Neste sentido, ainda é a mesma coisa. Agora, o diretor criativo ficar dormindo no sofá e ser OK? Isso mudou. Nós podemos fazer isso eventualmente. Como criadores, temos bem mais liberdade de fazermos o que quisermos e na hora que quisermos. Chegar à tarde, algumas vezes, é OK, especialmente se você ficou ou ficará trabalhando até meia noite.
“Mad Men” mostra uma transição na publicidade, quando a TV se tornou extremamente popular nos EUA, e as agência tiveram que criar departamentos de TV. A publicidade atual passa pelo mesmo momento por causa da internet?
Todas as agências grandes foram lentas em se adaptar à era digital. A grande mudança é que as companhias não são mais as donas das marcas. Você tem uma empresa, um produto, uma marca e as agências ajudam a divulgar. Porque, nas mídias sociais, as marcas estão nas mãos das pessoas. Hoje o trabalho é menos de divulgar, mas criar filosofias para as marcas e propósitos para os produtos. Assim os consumidores podem ter uma ideia maior do que é essa marca.
Isso tem a ver com aquilo que se chama de “storytelling”?
Sim, tem a ver com isso. Mas é muito mais que dizer: “Ei! Estamos aqui…”; “Beba!”; “Novo!”; isso não quer dizer muito hoje em dia. As pessoas não tomam mais decisões baseadas em anúncios, mas em recomendações. Você precisa mostrar que o produto tem algo que a pessoa realmente precisa. Aproximar o consumidor por algo memorável, muito mais que antes. Não tem mais papo-furado. Elas não definem sua opinião sobre algo baseadas em anúncios. É mais importante os valores daquela empresa do que o produto em si. O mundo é mais transparente.
Houve um impacto cultural de “Mad Men” na indústria da publicidade? O que as pessoas dizem?
“Onde está o uísque?” (risos) Há uma boa dose de nostalgia envolvendo isso. Mas cada geração diz à geração anterior como era incrível 20 anos atrás. As pessoas sempre pensam o passado como algo mais glamouroso.
Outra discussão que a série traz é o sexismo no ambiente de trabalho. O que mudou? Qual o papel das mulheres nas empresas?
Eu diria que hoje há igualdade.
Igualdade mesmo? As mulheres ganham o mesmo que os homens nos mesmos postos ou elas apenas têm acesso a esses postos?
Minha percepção é de que é igual sim. Mas a minha percepção aqui da filial brasileira é a de que o departamento criativo ainda tem mais homens que mulheres. O diretor criativo daqui comentou isso comigo e disse acreditar que é devido ao fato de as mulheres seremmais maduras. E algumas delas não conseguem trabalhar em meio ao caos que é o departamento criativo. É barulhento, há muita brincadeira, risada, não há muita organização. E, segundo ele, muitas mulheres tendem a ser mais organizadas e focadas em resultados.
E nos EUA?
Lá tem uma diferença um pouco menor, mas há ainda uma prevalência de homens no criativo… Pelas mesmas razões…
As mulheres têm criticado muito campanhas machistas, especialmente as de cerveja e, recentemente, uma campanha de esmalte foi retirada de circulação pois mostrava a mulher com a aspiração única de agradar ao homem. Por que isso ainda é feito?
Em parte pode ser porque o cliente direcionou bem a campanha, especialmente no caso da cerveja. Na minha opinião, tanto o cliente que pede e quanto a agência que executa esse tipo de campanha são preguiçosos. Eles basicamente pensam: celebridades, bebês, sexo e bichos. Em geral isso funciona, tem apelo com o público. Isso está mudando, porque publicidade que inclui corpos nus não ganha reconhecimento na indústria. E o reconhecimento te dá prêmios. E prêmios te dão clientes. É o que impulsiona a carreira de um criador. Eu te garanto: as agência não têm orgulho nem colocam esse tipo de campanha nos portfólios. Mas elas dão resultado, por isso continuam.
Quais personagens femininas da série existem nas agências? Existe uma Joan (Christina Hendricks)? Uma Peggy Olson (Elisabeth Moss)?
Sim. Toda agência tem uma Joan…
Em que sentido? No sentido de ser a “gostosa” da agência?
No sentido de ser super responsável. De fazer a engrenagem girar. Já as Peggy Olsons existem, mas não encaram mais os desafios dela. Hoje é completamente normal uma mulher exercer as funções que a Peggy batalhou para conseguir.
Na série, quem decidia o que seria a publicidade feminina eram os homens. Hoje é inaceitável não ter mulheres nestas campanhas?
Sim. Inaceitável. Seria muito difícil para um homem entender uma consumidora tão profundamente quanto uma mulher. E mesmo os clientes exigem isso ou, ainda, mandam funcionárias mulheres para negociar com as agências.
Reinaldo Canato/Popzone “Beba!”; “Novo!”; isso não quer dizer muito hoje em dia. As pessoas não tomam mais decisões baseadas em anúncios, mas em recomendações. Você precisa mostrar que o produto tem algo que a pessoa realmente precisa. Aproximar o consumidor por algo memorável, muito mais que antes. Não tem mais papo-furado. Elas não definem sua opinião sobre algo baseadas em anúncios. É mais importante os valores daquela empresa do que o produto em si. O mundo é mais transparente. Idem, sobre a perda da relevância dos anúncios na publicidade
As histórias que acontecem dentro da Sterling & Cooper [agência onde o protagonista trabalha] são comuns? Pessoas tendo ataques cardíacos… Uso de drogas… Bebida…?
Eu gostaria de ter mais escândalos para contar, mas na verdade hoje em dia é tudo muito tranquilo. Especialmente nos EUA, onde se tem tolerância zero sobre assédio, especialmente assédio sexual. As pessoas são muito cuidadosas. Mesmo assim, já ouvi casos, não de mulheres, de homens sendo assediados sexualmente por seu chefe. Mas já testemunhei muita gente tendo que deixar o trabalho, porque é muito estressante. Criadores são como artistas. São pessoas sensíveis. Aí você ouve do seu diretor que seu trabalho é ruim… Isso acaba com as pessoas. Nem todo mundo aguenta a pressão.
Na sexta temporada, Don recusou um cliente de forma meio tensa, o que ocasionou em seu afastamento da agência. Isso é comum?
Sim. As grandes agências recusam clientes o tempo todo. As grandes e as melhores, que sabem que seu trabalho é bom, dizem claramente ao cliente para procurar outra agência. Porque o trabalho aprovado pelo cliente em muitos casos é tão ruim que a agência não quer seu nome associado àquilo. As boas agências podem escolher clientes.
Outra coisa que chama a atenção são as roupas. Don tem uma gaveta de camisas brancas, e você?
Tenho um só de camisetas pretas! (risos) Os criadores nunca usam terno e gravata. Eles são os malucos. Eles não têm que se vestir formalmente. Obviamente todo mundo tenta estar bem vestido.
Qual a diferença entre os publicitários americanos e os brasileiros?
A hora do almoço. Aqui no Brasil isso é sagrado. Nos EUA, em geral as pessoas trazem comida de casa ou comem algo em frente ao computador. Além disso, o departamento de criação brasileiro é mais divertido. As pessoas gostam de se divertir enquanto trabalham. E isso reflete na imagem do país no mundo da publicidade. O Brasil é visto como uma potência em publicidade mundialmente. Os orçamentos são menores aqui, mas a mente inventiva dos brasileiros consegue produzir algo com charme, o que chama a atenção dos juízes das premiações em Cannes, por exemplo.