

Os paradoxos da trama vão além do período histórico e se estendem aos personagens. Vicente (Marcos Winter) é o censor que, motivado por culpa, se envolve com o universo da Boca do Lixo e com Dora (Simone Spoladore), atriz de um dos filmes que ele censurou. Dora, na verdade, se chama Vera, e é uma golpista que entra na produtora Magnífica para roubar o dinheiro do filme, mas se apaixona pelo universo do cinema. O produtor que conduz tudo, Manolo (Adriano Garib), é um ex-caminhoneiro que caiu de paraquedas na Boca após começar a sofrer de impotência sexual. E há também Isabel (Maria Luísa Mendonça), mulher de Vicente, que deseja uma vida mais estável com o marido.
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“Acho que essa série fala sobre repressão individual, do Estado, e da liberdade através da arte”, define Torres. “Eu acho que durante a série a gente vai entender como é viver em um Estado no qual um departamento controla o que você pode ou não ver. É uma grande reflexão sobre isso, levado, de forma paralela, ao ponto de vista do indivíduo, de como é perigoso se autorreprimir. Os personagens tem uma autorrepressão, eles escondem alguma coisa dos outros e de si mesmo”.
Para Marcos Winter, o desafio do elenco foi não cair no caricatural – tão associado às chanchadas brasileiras. “A gente fica no limite de não ‘chanchar’, de não extrapolar. Porque é muito fácil ali entrar em uma caricatura. Poder falar disso, dessa época, desse tema, mostrar o bastidor de cada um desses personagens e carregar um drama de culpa, não tem volta”.
Homenagem ao cinema
“Magnífica 70” faz uma grande homenagem ao cinema, mencionando logo no capítulo de estreia José Mojica Marins, o Zé do Caixão. E a equipe de produção contou com a consultoria de um importante expoente da Boca do Lixo: o cineasta Alfredo Sternheim, que dirigiu longas como “Anjo Loiro” (1973), estrelado por Vera Fischer.
“Ele foi um consultor primordial na construção do universo que a gente criou”, contou o diretor Claudio Torres. “A gente perguntava para ele como era naquela época. Por exemplo, o som. ‘Ah, não tinha som direto, tinha no máximo um gravador’. Ele foi o nosso guia, foi primordial nisso. Ele estava no primeiro grupo que gestou esse universo”.
O próprio formato da trama foi pensado para se assimilar com as etapas de produção de um filme, contou Torres. “Eles juntos vão fazer um filme, que o Vicente vai escrever, a respeito da família dele com a Isabel e o general. E essa estrutura que a gente encontrou foi uma experiência muito interessante porque ela te dá um senso de fechamento para cada episódio e ao mesmo tempo te dá a mecânica de um arco maior, que contem todas as fase de um filme, do roteiro à divisão de lucros”.
O cinema ainda exerce um papel fundamental na libertação dos perosnagens, acredita Adriano Garib. “As vidas dessas pessoas se transformam a partir do contato com o cinema. Esse meio de expressão pode não só resolver os problemas pragmáticos de vida, de dinheiro, mas também suas expressões como seres humanos. esse oportunismo os humaniza”.